É proibido, mas pode-se fazer

Num destes dias, perguntei qual era a melhor opção para se escrever a seguinte frase «A carrinha para e as portas estão abertas.», «A carrinha pára e as portas estão abertas.» ou «Ambas.» Considerei a opção certa a primeira pois em Portugal está em vigor o Novo Acordo (NA) e, segundo o mesmo, o pára perde o acento, ficando para — eu sei, não escrevo segundo as regras do NA, mas deixemos esse assunto para outro artigo, agora vamos concentrar-nos no pára e no para.  

Sinto uma confusão geral quanto às reformulações relativas ao NA, em particular quanto à grafia reformulado desta palavra. A resposta é simples: é proibido, mas pode-se fazer. 

Como assim? 

O NA está em vigor em Portugal e, portanto, a grafia da palavra pára, ainda que no sentido de parar, é para . O que acontece é que esta utilização poder ser, por vezes, dúbia. 

Recentemente, li A História de Uma Serva e reparei que as regras do NA eram seguidas na totalidade, incluindo o para. Já no livro Pessoas Normais, leitura actual aquando da escrita deste artigo, embora a tradução e a revisão tenham sido feitas segundo o NA, optou-se por pára, sendo uma excepção ao não cumprimento das regras apenas com o sentido de parar. Na palavra para-brisas, o para não tem acento. Estes dois livros que usei como exemplo são publicados por editoras diferentes, por isso, neste caso, o tradutor e o revisor devem proceder de acordo com as regras internas da editora para a qual estão a prestar o serviço.  

Ainda há casos em que se pode justificar haver as duas grafias. No livro O Lugar das Árvores Tristes, há registos que são partilhados e que foram escritas na altura em que o NA ainda não estava em vigor, pelo que, aqui, faz sentido ter ambas as grafias pois há relatos actuais em que o para não tem acento e outros mais antigos em que o pára ainda se escrevia com acento. 

Será errado não usar o acento? 

Tendo em conta um texto escrito em conformidade com o NA, a palavra para deveria ser escrita desta maneira, sem acento. A meu ver, o problema maior está em esta regra ainda ser pouco conhecida, o que faz com que possa ser vista como um erro e até causar interpretações diferentes do pretendido, bem como tornar a leitura pouco fluida. Por isso, sim, pode haver situações em que, apesar de ser proibido, poderá justificar-se fazer.  

O importante é que, ao longo do mesmo texto, haja coerência, seja um texto literário ou não.  

Um exemplo do quotidiano 

Pára tudo, descontos 50 % 

Esta frase publicitária escrita num folheto segundo o NA, incluindo a regra do para sem acento, ficaria Para tudo, descontos 50 %» o que significaria que, para tudo o que lá está à venda, há 50 % de desconto. Ora, esta frase pode ter diferentes interpretações e, a juntar à vontade das pessoas de adorarem uma boa promoção, arranjar imbróglios de maior ao estabelecimento comercial que o divulgasse pois poderia ser interpretado de forma incorrecta, podendo dar aso a reclamações. Assim, neste caso, pode fazer sentido abrir esta excepção. Sinceramente, se eu fosse a dona do estabelecimento, decidiria pelo pára

Acho que a melhor analogia é a alimentação. Usando o exemplo do açúcar refinado: sabemos que não nos faz nada bem à saúde, mas volta e meia lá vamos nós comer um geladinho, que de vez em quando não faz mal, contudo, todos os dias, pode ser problemático. Chama-se equilíbrio, e está tudo certo em comer um geladinho volta e meia.  

Resumindo: é proibido, mas pode-se fazer, desde que de forma ponderada, responsável, sensata e, acima de tudo, coerente.  

Espero ter ajudado a perceber e a analisar quando usar pára ou para. Ainda assim, se tiveres alguma dúvida, não deixes de perguntar. 🤘🏼 

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