Zero

Zero é um nome singular, tal qual o um. Como número, não designa nenhum valor por si só. Como substantivo, significa nada, coisa nenhuma. Então, por que motivo dizemos «tive um valor na última pergunta», no caso de se ter um valor, e «tive zero valores na última pergunta», no caso de não se ter nenhum valor?

Português de Portugal 

Em português de Portugal, é comum dizermos «tive zero valores na última pergunta» em vez de «tive zero valor na última pergunta». Assim, pela força do uso, já é aceite — e dicionarizado — o uso de zero pluralizado. Por isso, «tive zero valores na última pergunta» é considerado correcto. 

Português do Brasil 

Em português do Brasil, é considerada certa a versão «tive zero valor na última pergunta» uma vez que, como vimos, zero é um nome singular. Da mesma forma, é comum e considerado correcto dizer-se, por exemplo, «estão zero grau». Assim, se lermos um texto que esteja escrito em português do Brasil, não podemos dizer que esteja errado.  

Independentemente da opcção escolhida, devemos manter a coerência em todo o texto. Isto é, se optarmos por dizer «tive zero valores», também deveríamos dizer «tenho zero vontades». Da mesma forma que se optarmos por dizer «tive zero valor», também deveríamos dizer «tenho zero vontade». 

Ciência 

Do ponto de vista da ciência, existe ainda uma regra, definida por uma das entidades que regula o Sistema Internacional de Unidades (SI) que diz que o nome das unidades só passa ao plural de dois, inclusive, para cima. Assim, deveríamos dizer «o corpo tem uma velocidade de 0,4 quilómetro por segundo» e não «o corpo tem uma velocidade de 0,4 quilómetros por segundo». 

Afinal, por que motivo dizemos «tive zero valores na última pergunta»? 

Sendo eu uma moça decente, vou ser sincera: não sei. Na verdade, o objetivo deste artigo, mais do que uma explicação — até porque, como disse, não tenho nenhuma (faço zero ideia de onde saiu esta «regra»!) — é um convite à reflexão.  

Por vezes, quando partilho dicas, vocês — e muito bem — vão pesquisar, ler outras opiniões, reflectir no assunto. Ficam na dúvida, volta e meia entram em negação porque soa mal, porque nunca ouviram ninguém dizer assim. Outras vezes até tentam mudar, mas nem sempre lhes sai, ora se persiste, ora de desiste, ora se suspende… uma mistura de tudo isto e um pouco mais. Seja qual for a razão, a sequência e forma como o fazem, sinto que cheguei ao que queria: fazer-lhes pensar. 

Há situações, como a utilização de zero no plural, já muito enraizadas, ainda que de forma inconsistente. Porque dizemos «tenho zero vontade de ir» e «tive zero valores»? Afinal, qual é a regra? É ver o que soa bem de ouvido, sendo que o que soa bem corresponde ao que todos dizemos no dia-a-dia, mesmo não sabendo o que estamos a dizer, nem o porquê?

E é por essa razão que nem sempre aponto todas as correcções que acho necessárias quando estou a rever: causa estranheza o leitor e, pior, afasta-o da leitura daquele texto. Por outra, apontar até aponto. Alerto e explico, mas, admito, não aconselho a que quem escreveu aceite.  

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