Livros da prateleira lá de casa: Frankenstein

Este livro é muito mais do que um livro. Foi escrito em 1818, início do século XIX, por uma jovem de apenas 23 anos, Mary Wollstonecraft Godwin, mais conhecida por Mary Shelley. Aquele que inicialmente era apenas um conto escrito à lareira, acaba por se transformar num romance que justamente perdura no tempo. 

Demorei a pegar-lhe, sem motivo. Contudo, assumo, tive de me esforçar para o ler devagar, e de pôr despertador para ir dormir, não fosse o caso de me distrair e ficar acordada noite dentro. Foi um livro que me cativou e me fez abstrair do meu olho de revisora que de forma natural tende a estar atento. Uma história que podia ter sido bonita, não fosse a nossa mania de julgar e excluir quem nos é diferente.  

Em dado momento da leitura, parei e escrevi aquele que gostava que fosse o desenrolar da história daí em diante — e foi sem surpresa, mas sempre com esperança, que percebi que o desfecho iria ser bem diferente do que imaginei. Ou melhor, do que eu gostaria que fosse.  

Ao contrário do que todos pensamos, Frankenstein não é o «monstro», mas sim o seu criador. O «monstro» acaba por não ter nome e ser a chamado desta mesma forma, ou «demónio», ou «desgraçado», ou «criatura». Alguém que é o resultado da obsessão de um outro ser em dar um passo inovador na ciência, mas que acaba a rejeitar a própria criação. Um «monstro» que nasceu com um coração bom e uma inteligência avantajada, que quer apenas o que todos queremos: amar e ser amado. 

«A sua pele amarela mal cobria o trabalho dos músculos e das artérias o seu cabelo era preto, lustroso e liso e os seus dentes de uma brancura de pérola, mas tudo isso servia apenas para tornar mais horrendo o contraste com os olhos aguados, que pareciam quase da mesma cor do branco-sujo das orbitas em que estavam implantados, com as rugas do rosto e com os lábios pretos e direitos.»

No entanto, devido ao seu aspecto diferente, aos olhos de quem o vê assustador e feio, e pese embora todas as suas tentativas de se fazer aproximar e ser aceite, sendo bondoso e útil, acaba rejeitado por todos, sofrendo de solidão e tendo um comportamento de verdadeiro monstro. 

Uma reflexão sobre a atitude humana, intemporal, que nos faz pensar na tendência que temos em desprezar quem não é igual a nós e em como o nosso comportamento pode afectar o outro, sobre o preconceito e a marginalização de alguém porque esteticamente não corresponde aos padrões.  

Se dantes, sempre que ouvia este nome, imaginava um monstro terrível, horrendo e cruel, hoje, depois de lida a verdadeira história e mesmo sabendo os actos acabou por cometer, não consigo deixar de sentir carinho por ele. No fundo, e como diria o Manuel Cruz, tudo o que o «monstro» precisava era de amigos. 🧡

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