Vamos parar de colocar?

O uso da palavra colocar e seus derivados é uma situação, a meu ver, pandémica. Ouvimos esta palavra frequentemente nos meios de comunicação e nas redes sociais. Parece que dá um ar mais elegante e intelectual a quem a usa. E, de repente, damos por nós a colocar tudo e a não pôr nada. Afinal, porque é que isso acontece? Como evitar? É isso que vou tentar desmistificar. 

Na sua génese, «colocar» vem do latim, cum + locare, e significa pôr alguma coisa no lugar. O verbo pôr é, por isso, em alguns contextos, sinónimo do verbo colocar. Assim, é correcto usarmos tanto uma palavra como a outra quando ambas têm o mesmo significado.  

O problema surge quando passamos a empregar o uso da palavra colocar em detrimento de tantas outras e pode até nem ser substituídas pelo verbo pôr, ou seja, banimos muitas palavras deste nosso vasto vocabulário e passamos a usar apenas uma: colocar. Lembro-me de, quando estava a tirar o curso de revisão e ter começado a ficar mais desperta para o português, ouvir na televisão um jornalista a noticiar uma situação de incêndio numa habitação e dizer algo como «a PJ está a averiguar quem poderá ter colocado o fogo». Porque não ter «ateado» em vez de «colocado»? Consigo perceber que em contexto jornalístico até seja mais imediato o uso de «posto» do que «ateado», até porque a expressão «fogo posto» a isso puxa, mas porquê o «colocado»? Porque em todo lado a lemos e ouvimos e, inconscientemente, damos por nós a usá-la. 

Outro exemplo que me ouvi recentemente. Estava numa chamada com um amigo meu e ele diz-me o seguinte «dá-me só uns segundos que vou colocar água a ferver para o chá». Porque não dizer simplesmente «vou ferver água para o chá»? 

A melhor analogia que arranjo para esta situação é a do copo de vinho. Se bebermos um copo de vinho ao jantar, água entre as refeições, um fino fresquinho nos fins de tarde de Verão e um sumo de frutas ao pequeno-almoço, o que tem isso de mal? Nada, a menos que sofras de refluxo e aí aconselho a passares a cervejinha e o tintol à frente. Mas e se passarmos a beber vinho em todas as refeições do dia? Aí já se torna um problema sério de resolver. 

Cabe-nos trabalhar a nossa forma de comunicar todos os dias. É como ir a uma aula de ioga e vermos a pessoa que está a dar equilibrar todo o seu corpo praticamente só com o apoio do mindinho, de imediato achamos que nunca iremos conseguir. O que nos esquecemos é da dedicação diária que é preciso a esta prática para que se consiga chegar a este patamar. Com a Língua Portuguesa, é igual. Todos os dias temos de nos esforçar para a utilizar de forma mais diversificada. E isto aplica-se não só a quem fala e escreve como também a quem ouve e lê, que deve ser exigente e ter sentido crítico e apurado. 

Em suma, não quero com isto incentivar o desuso da palavra «colocar», apenas moderar. 

Conto contigo? 😊

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