O dia em que subi ao Pico

Três de Setembro de 2019.

Acordei pelas seis e meia da manhã, depois de uma noite de nervosismo, insónia e ansiedade passada quase em branco, mas que em nada teve que ver com a subida à montanha. Deixemos este episódio para um próximo artigo porque, acredita, dá outro texto bem composto. Vesti-me, preparei a mochila e desci para o pequeno-almoço.  

Sabia que durante o dia não teríamos nenhum sítio onde comprar comida e que fisicamente seria exigente, por isso, achei por bem comer de tudo um pouco: pão com manteiga, fruta, pão com manteiga, croissant, pão com manteiga, iogurte, pão com manteiga, ovos mexidos, pão com manteiga, bolo, pão com manteiga… e felizmente não correu mal.

Às oito e meia, já estávamos na Casa da Montanha, prontos a começar a aventura, com a mochila com água, comida e lenços de papel suficientes para todo o dia.  Como o grupo era grande, vinham três guias connosco: o Zé, a Isabel e o Hugo. Depois de uma breve apresentação e ajuste da altura dos bastões, iniciámos a subida.  

A primeira parte é a mais chata e também a que se cai com alguma facilidade pois ainda passa alguma água, o que torna o piso escorregadio e lamacento. Passando esta parte, começa a subida propriamente dita até uma parte já com alguma altitude, na qual uma parte do piso é plano e, portanto, jeitoso para uma paragem estratégica para os primeiros xixis. Não se iludam com esta nota. Na montanha, a natureza é respeitada. Não há casas-de-banho, só uma vegetação naturalmente bem posicionada que nos dá alguma privacidade. Da mesma forma que não há um caminho definido. É pôr o pé onde dá mais jeito e siga para a frente. Sentimos que estávamos num cenário ao estilo O Senhor dos Anéis e intitulámo-nos A Irmandade do Cachalote

[Olha o caaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaachalote!]

Retomamos a subida e daí para a frente o caminho tornou-se ainda mais íngreme e estreito, o que nos obrigava a seguir em fila. O Zé ia à frente, a Isabel no meio e a fechar o cortejo vinha o Hugo. Sou de músculos e pulmões resistentes, porém de joelhos instáveis. Assim, ia mesmo atrás da Isabel para que ela me acudisse caso fosse preciso. Estávamos a caminhar há uns 15 minutos quando o telefone dela toca com uma notícia boa com a qual ela só contava dois dias depois, mas que veio antes e foi partilhada com o grupo. A emoção foi muita e os tempos ainda eram pré-covid, pelo que não faltou partilha de baba, lágrimas e abraços apertadinhos. Continuamos a subida e os diferentes ritmos de passadas levou a que nos fossemos afastando cada vez mais. Eu ia no último grupo. Entretanto, houve quem não se tivesse sentido bem e voltaram para trás e eu segui com a Paula, o Zé e o JP acompanhar-me na marcha lenta. Pelo caminho, ainda vimos os bombeiros a subir de maca, e depois a descer, com um miúdo de um grupo de escuteiros que também lá estava, deitado na mesma. Sei que devem estar habituados, contudo, não deixou de me parecer um acto de quase heróico. 

[Como assim, descer a montanha a carregar alguém numa maca? Acredita, é possível.]

Chegámos ao topo pelo meio-dia e meio. Lá de cima, a vista é F-A-B-U-L-O-S-A. Não só caminhamos uns níveis a cima das nuvens como conseguimos ver as restantes ilhas do grupo central. Do lado onde chegamos ao topo, conforme a deslocação das nuvens, conseguíamos ver a Terceira. É ainda possível subir ao Piquinho que é a parte mais alta da montanha, mas aí decidi não arriscar para poupar o joelho. É mesmo a pique e alto. Embora estivéssemos com a adrenalina no máximo, ingerimos o almoço em silêncio, tal era a fome.  

Pelas duas da tarde, iniciámos a descida. Se achas que subir é difícil, não queiras saber o que é descer. Quando olhei lá para baixo pensei «Então, e agora? Como desço?» Não estava a descer com a postura correcta e a Isabel, com a sua paciência e boa disposição, ensinou-me como devia fazer. Ao fim de cinco minutos, lá atinei e não precisei mais de ajuda. Mais uma vez, a Paula, o Zé o JP foram uns compinchas muito queridos e lá me acompanharam ao meu ritmo.  

[É pra baaaaaaaaaaaaaaaaaaixo!]

Fomos parando nas mesmas «áreas de serviço» da subida numa tentativa de não dispersarmos muito, mas o percurso inverso tornou-se ainda mais difícil de seguirmos todos juntos e as peripécias mais cómicas aconteceram: o Nuno deu uma de 007 e decidiu rebolar uns bons metros montanha abaixo, e, por incrível que pareça, só teve uns arranhões; duas pessoas perderam a sola dos sapatos e tivemos de improvisar a «colagem» das mesmas ao sapato com o que tínhamos (entre lenços e cordas, lá nos desenrascamos — voltamos a encontrar alguns dos miúdos dos escuteiros que nos deram uma ajuda); mais uns quantos, com os nervos, tiveram um desarranjo intestinal, coisa bastante agradável de se ter no monte (abençoado estrume! — foi um dia bastante rico no que toca a nutrir o solo, não podem dizer que não fizemos a nossa parte); bastões a rebolar a toda a hora que nem o Nuno; bate-cu, muito bate-cu se deu na descida — a esta ninguém escapou. A Cristina deu um mesmo à minha frente e ainda deslizou uns metros de rabo. Em algumas partes do caminho, exactamente para não cair assim, descia sentada, tipo a Pocahontas a descer para a cascata quando conhece o John Smith. Resultado?

Por fim, chegamos à parte escorregadia e lá tivemos que redobrar os cuidados para não morrer na praia. O cansaço já era muito e a adrenalina também já não era a mesma, o que fez com que fossemos mais lentos nessa parte do trajecto. E sabes o que é melhor do que chegar ao topo e estar a cima das nuvens? É estar a chegar cá a baixo e ver o parque de estacionamento. Uma sensação de felicidade e dever cumprido. Foi só nessa altura que olhei para mim e percebi que estava suja, suada, cheia de terra e com as calças rasgadas (e bem rasgadas!) no rabo. Tive de amarrar o casaco à cinta para que não se visse as minhas cuecas do Mickey. No regresso ao hotel, não sabia se tinha mais fome ou sono. 

Depois do banho, fomos jantar. E foi a minha vez de protagonizar mais um dos momentos do dia. Com a descarga de emoções, tive uma quebra de tensão que me fez ter de vir para fora do restaurante e ficar uns 15 minutos a olhar para o chão. Entretanto, lá consegui jantar e voltei para o hotel, agarrada à minha amiga Adelina, que mesmo de braço ao peito partido de véspera se disponibilizou a me segurar.

Para terminar, deixo aqui a lista de conselhos a seguir se um dia te quiseres aventurar: 

  • dois litros de água e comida nutritiva e energética suficiente para te aguentares, mas não em exagero porque senão também acaba por estorvar; 
  • lenços de papel e saco plástico onde pôr os mesmos — nada de deitar lixo na montanha; 
  • botas de caminhada não muito velhas (não se vá perder a sola) e bastão (apenas um pois precisas de uma mão livre para te ires apoiando); 
  • chapéu, óculos de sol, protector solar, gel frio e analgésico em gel e comprimido; 
  • casaco de caminhada leve e fácil de dobrar (lá em cima, depois de algum tempo parada, começa-se a sentir o frio). 

E, por último, contudo, não menos importante… boa disposição e espírito de aventura! Uma experiência que recomendo e que só não digo que quero repetir porque há ainda muitas partes do mundo que quero visitar, mas gostava de lá voltar para, pelo menos, visitar os nossos guias e, claro, comer atum fresco grelhado na brasa.  

[Quando podemos voltar a viajar, mesmo?]

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